sexta-feira, junho 17

...poderia ter sido uma história de amor ( I )

Os raios de sol que, esparsos, furam já as nuvens tornam a crista de cada onda numa lâmina esbranquiçada e refulgente. A praia está vazia. E na areia restam as marcas de uma história a dois: as pegadas de um par de pés grandes e ligeiramente encurvados para dentro e um outro de pés súbtis, femininos, pequenos as pegadas cravadas na areia húmida, são lentamente apagadas pela maré crescente; e além aquele monte de areia que ainda marcava o local em que eles se sentaram, esvai-se numa onda mais afoita e extensa.
sete noites, um poeta esperançado, estava sentado à sua secretária: a folha de papel à sua frente permanecia vazia. Pela janela via os edifícios baixos e brancos alongarem-se até à praia. Uma ou outra vivenda chegava mesmo a invadir a areia, mas essas não se viam da janela. Depois via o mar agigantado: como se se tivesse lançado num salto de conquista e depois tivesse estacado, indeciso. Esperava o poeta que desse mar saltassem versos inspirados; que esse mar possuísse em si todas as palavras necessárias do mundo na ordem perfeita; que esse mar tivesse em si o sal e os peixes nadando e os versos sobejando. E há sete noites que o poeta se mantinha acordado - a folha permanecia vazia.
E eis que, nessa noite, um poeta desiludido deixa o apartamento; a noite está fria. Corre no ar uma brisa cortante. Decidido, o poeta aconchega-se mais no seu blusão, e avança na direcção da praia. Descalça os sapatos, e caminha com os pés nús pela areia molhada, e senta-se num pequeno monte de areia, provavelmente obra de uma qualquer criança no fim da tarde. Olha o mar. Despe o blusão e entra na água do mar, com a t-shirt e as calças. Sai ensopado; os versos pingam-lhe dos fios de cabelo, escorrem-lhe pelas costas. Olha o céu, pejado de estrelas cintilantes. E depois olha a areia, e vê (é um poema esculpido com um pequeno pedaço de madeira; mas! falta-lhe um verso!; aproxima-se; pega no pau) e escreve.

Em breve nascerá o sol, e iluminará todas as coisas de uma forma diferente. O poeta está certo disso; levanta-se e sai,
um poeta esperançado.