segunda-feira, maio 8

olhos nos olhos

Ela olhou-o nos olhos e ele baixou a cabeça. Beijaram-se. Se ela lhe tivesse dito alguma coisa era Não digas nada. Mas ela soube sempre que ele não iria dizer nada. O chão que ele via era como o céu nublado e os prédios sem cor. Era um chão de asfalto duro, de fragmentos de vidro, de balas, de lama feita de sangue e chuva.
No príncipio, quando o céu era claro e ele ainda conseguia olhá-la de frente, tudo era mais fácil. No príncipio todos os ideais são claros e límpidos; são simples e directos. No príncipio ele lutava por eles, pelos ideais. Naquela altura já só lutava por si próprio.
Antes de desaparecer entre dois pedaços de cimento ele ainda procurou a cara dela, mas nunca mais a encontrou. Ela tinha fugido na outra direcção, à procura desse lugar a que chamam Fim. Em tempos mais pacíficos tinham-lhe ensinado que nesse lugar se vivia feliz para sempre. Enquanto corria ela olhava em frente. Para além da selva urbana decadente que caía em derrocada havia a cara dele perpetuamente presa ao céu infinitamente cinzento: a pele pálida e as bochechas rosadas, intensas, os lábios pequenos e bem desenhados, os olhos castanho claros últimamente tão cheios de medo.
Ele era um rapaz ainda. Dúvido que tivesse dezoito anos. Eu deixei de contar as idades quando aprendi que as vidas terminam. Com a arma tremendo nas mãos, apontada ao indistinto horizonte inimigo, por entre o fogo e o fumo, enquanto do céu os aviões lançavam morte e destruição, caminhava ele desorganizadamente, tropeçando nos corpos perdidos no meio da rua. E foi então que nos encontrámos, o nosso espanto toldado pelo susto. Se eu me tivesse visto reflectido na sua púpila grande e assustada veria a imagem dele. Se alguém nos visse ali os dois, frente a frente, a vinte metros de distância, não nos distinguiria. Se não estivéssemos ali os dois a rua estaria deserta. Por um momento ficámos ambos parados, ele na minha mira eu na dele, à espera do som da bala e do fim. Tinha a respiração suspensa, convencida ela própria de que iria ficar assim para todo o sempre.
Pressionei o gatilho mas não me mexi até que o corpo dele caiu e se perdeu numa poça de sangue. Foi como se o meu próprio corpo se vergasse à lei da morte. Como se aquele sangue fosse o meu sangue.
No príncipio ainda haviam ideais. A primeira bala perdida é suficiente para os ferir mortalmente. Extinguem-se em agonia, dobram-se sobre os joelhos, gritam de dor e calam-se para sempre.
Corri para casa, onde quer que isso fosse. Cai fatigado ao pé de um lago e a mão de uma rapariga levantou-me a cabeça e os olhos dela olharam os meus como se sempre me tivessem olhado.

11 palavras urbanas:

  • eh eh eh

    Por: Blogger K, às 7:32 da tarde  

  • ok... isto foi um erro:P...

    Por: Blogger Unknown, às 8:59 da tarde  

  • Nem sei bem o q dizer......
    Está forte.....
    Bjs

    Por: Anonymous Anónimo, às 6:10 da tarde  

  • Web, mas que teve piada teve.

    Por: Blogger K, às 9:22 da tarde  

  • Surrealismo?! talvez.
    Como sempre sentimo-nos perante uma escrita sintaticamente bela, atractiva e geradora de expectativa!
    A julgar também pelos comentários anteriores, o leitor fica, no entanto, entre o medo de interpretar mal, a incapacidade de deixar voar a imaginação e simplesmente a dúvida de saber se atingiu a semântica da coisa.
    Em qualquer caso, (e "piada" não, de todo!) fico "pé-a-atrás" na dificuldade em aceitar a equiparação entre o beijo do Amor e o beijo da Morte!
    Mas, seria mesmo esta a ideia que bailava na cabeça do autor-guerrilheiro?!...

    Por: Anonymous Anónimo, às 10:17 da manhã  

  • Há uma coisa que tem que ser explicada, antes que gere mais confusão; a piada foi que, quando o kafka comentou, as letras estavam todas brancas, pelo que ele não leu o texto. Só o título, olhos nos olhos, e uma página em branco.

    Por: Blogger Unknown, às 12:53 da tarde  

  • web, (risos)as consequências que isto já tomou.
    Um abraço ao Web e aos comentadores deste blog.

    Por: Blogger K, às 9:28 da tarde  

  • A piada desta coisa dos blogues pode estar mesmo nesta saudavel troca de ideias entre mentes que se cruzam no espaço virtual, mesmo não se conhecendo(?) no espaço real.
    E aqui ficam duas piquenas correcções:
    1º Afinal a piada não era sobre a piada que não estava no texto, mas sobre o facto de o texto não estar como devia, o que também não deixa de ter piada e, mesmo assim, as minhas desculpas...
    2º Também não terá piada outra confusão deste bloguista que se penitencia; ou seja, quando referi uma aparente relação semântica "entre beijos", queria na verdade dizer "entre olhares" (amoroso um, mortal o outro) mas, caso a observação esteja correcta, a conclusão mantém-se...
    E mais não digo... mas retribuo o abraço ao K e ao Web e aos outros.

    Por: Anonymous Anónimo, às 7:08 da tarde  

  • E no Fim que desejou a morte se alastrou.

    Por: Blogger Tamara Queiroz, às 8:26 da tarde  

  • Recado:Web, em relação á imagem, isso tem a ver com facto de neste sabado estar-se a celebrar o 13 de maio. Quanto ao link, houve uma falha que eu por preguiça não corrigi e que ia dar á página do JN.
    Um abraço e bom fim-de-semana

    Por: Blogger K, às 12:22 da tarde  

  • Pedro Brás Marques, melhor dizendo, Dupont (O Vilacondense), é agora o presidente da concelhia do PSD de Vila do Conde. Miguel Paiva o anterior Presidente tem o novo blog de direita aqui do burgo chamado: A lambretta

    Por: Blogger K, às 12:35 da tarde  

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