quarta-feira, julho 6

Um dia arrancou;

Finalmente, deixava as estradas entupidas
(– Deve ter havido alguma acidente)
e entrava no parque de estacionamento do centro comercial. Por cima uma vara branca e rubra marcava a altura máxima dos veículos destinados a entrar. Estendeu o braço para a maquineta amarela. Carregou num botão verde, em troca a máquina emitiu um pequeno cartão verde claro. Recebeu-o. A cancela abriu, e ele entrou. Mais uns quatro ou cinco carros, em que ia reparando à vez, deambulavam pelo parque em busca de um lugar – mas nada, o estacionamento estava lotado, as caixas marcadas com tinta branca no chão estavam todas ocupadas. Virou à direita. Nada. Virou à esquerda. Depois novamente à esquerda. Nada. Pelo canto do olho viu, em frente, à direita um lugar vazio. Tentou virar, mas foi obrigado a parar. Um peão estava a atravessar a passadeira. Quando este chegou ao seu destino já a merecida posição que o ocupante do veículo vira tinha sido ocupada por um automóvel verde. Num instinto que era uma mistura de fúria cega e de desilusão impulsiva, saiu do carro em passo rápido, decidido, irado para pagar a meia hora que passara às voltas no parque, e depois deixou rapidamente o lugar, lançando-se numa corrida solitária e desenfreada por caminhos casuais e desconhecidos. Sentiu o espírito libertar-se abruptamente e iluminar-se todo, como se antes daquele momento estivesse estado encarcerado naqueles labirintos urbanos.


Ligou o rádio, mas para ouvir música. Se dava notícias, informações de trânsito ou spots publicitários ou se simplesmente o locutor se excedia na sua narração, o condutor rapidamente esticava o seu indicador para avançar para a estação seguinte. A música é uma boa companheira de viagem, pensou. Não quis entrar na autoestrada. Meteu-se antes pelas estradas nacionais que nunca tinha percorrido. Abriu completamente as janelas, mas o ar lá fora estava mole, pesado, parado, quente, não arrefecia em nada o interior abafado do veículo.
Pelo vidro do pára-brisas sucediam-se paisagens: montes altos e de formas singulares que se sucediam e se apagavam no céu, planícies repletas de oliveiras, rios correndo debaixo de antigas pontes de pedra, mantos verdes onde crescem plantas das mais variadas cores e formas, ao longe pequenas aldeias de casas caiadas de branco e telhados vermelhos. Já divagava por esses caminhos de asfalto há quase duas horas. O ponteiro da gasolina continuava estranhamente anunciando um depósito meio-cheio, mas o condutor sentia o carro leve. Decidiu-se a parar na bomba de gasolina mais próxima, pelo sim, pelo não. Mas é precisamente quando toma esta decisão que a viatura se recusa a andar mais e vai abaixo. Duas ou três tentativas bastaram para frustrar o homem e convencê-lo que, dentro do automóvel, nada podia fazer. Limitou-se a empurrá-lo, usando de todas as suas forças, para a berma da estrada deserta, por forma a não perturbar os demais que pudessem vir a passar por ali. Depois seguiu a pé os sinais brancos rectangulares, com letras pretas, que indicavam povoações na proximidade, até encontrar uma vila, uma aldeia, uma casa que fosse.

Calculava ter andado aí uns dois quilómetros até encontrar, finalmente, sinais de vida humana. Aproximou-se de uma casa ao acaso, tocou a campainha.
– Quem é?,
perguntou alguém, de lá de dentro, e depois, mais próxima da entrada, repetiu
– Quem é?,
ao mesmo tempo que abria a porta. É mesmo caso para perguntar Quem é, pensou a senhora, enquanto mantinha a preocupação de deixar a mão esquerda na maçaneta, nunca o vi por aqui, donde será que ele vem? Deve ter vindo de Lisboa certamente, concluiu.

O homem esse, sentiu o seu corpo aquecer e a face ruborescer, enquanto tentava recordar-se de quem era e porque razão estava ali.
– Desculpe mas o meu carro ficou sem gasolina sabe-me dizer qual é a bomba mais próxima?,
disse-o sem vírgulas, sem pausas, sem espinhas, reparando no olhar suspeito com que a mulher o focava. Este ar um pouco atrapalhado do homem traquilizou a mulher, que retirou finalmente a céptica mão da maçaneta.
– Agora só na cidade, e isso ‘inda fica a uns dez quilómetros daqui, não vai chegar até lá empurrando o carro. Porque não chama o reboque?
– Tem razão, realmente... Diga-me então que sítio é este... E já agora, há por aí uma cabine telefónica?

Quando o homem saiu dali devia estar a sentir-se menos confuso, pelo menos era isso que perspectivara, mas lentamente, ao sair do efeito da decisão momentânea e repentina que tomara horas antes, e ao não encontrar uma explicação racional para o facto de estar ali, achou-se mais desorientado do que em qualquer outra altura jamais se achara. Num tom de voz baixo lamentou o facto de, quando reconhecemos o que os nossos olhos veêm como realidade, quando estamos no estado que poderíamos denominar normal, termos sempre que arranjar uma explicação racional para as nossas atitudes. É quase como se a presença das outras pessoas nos obrigasse a reflectir sobre o que fazemos, e ainda por cima nos limitasse a forma de o praticar. Isto porque não podemos alegar seguir os nossos instintos, o que nos parece extremamente lógico nestas situações: a explicação tem que ser racional sobre a ópticas dos outros.

5 palavras urbanas:

  • temos que ser racionais...e andar por entre as nossas visões sonhos, e outras coisas mais.

    Por: Blogger Unknown, às 8:56 da tarde  

  • Gostei muito de visitar o seu blog.

    Por: Anonymous Anónimo, às 11:00 da manhã  

  • Tem aqui um interessante blog, prende-nos o seu conteudo. Cumprimentos, Maria do Céu.

    Por: Anonymous Anónimo, às 9:01 da tarde  

  • estupido, não é?
    parece absurdo, mas é verdade.
    porque não poderemos ser simplesmente assim, tal como essas coisas que fazemos?
    não há explicação e pronto. fiz porque sim. apeteceu-me. ou o fazia, ou rebentava.
    fogo!!! porquê??

    porque teremos sempre de complicar??...

    jkx...
    anonymous

    Por: Anonymous Anónimo, às 11:58 da tarde  

  • «a explicação tem que ser racional sobre a optica dos outros»... por mais que digamos que não interessa o que os outros pensam, sentimos a necessidade de seguir um percurso replecto de razao na presença dos outros..

    beijitos

    Por: Blogger isa xana, às 12:58 da manhã  

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