sexta-feira, dezembro 17

A jarra

Uma jarra de porcelana, muito fina, muito branca, jazia sobre a mesa, evidenciava-se na sala, toda decorada com móveis escuros e pesados. Uma jarra, muito fina, muito branca, com uma pega dourada e talhada e um gargalo longo que se abria como o botão de uma flor. Pintados na jarra um homem e um rio. Um rio muito homem, que passava lambendo os humanos pés, e um homem muito rio, de corpo estirado sobre a relva, contemplando com olhar pensativo o exterior, ao mesmo tempo reflectindo o mundo e reflectindo sobre ele. Os olhos do homem são um mundo outro, o que dava à pintura nova dimensão. Era um mundo etéreo, acima da realidade. Naqueles olhos todos os rios confluiam num só.

A jarra era um paradoxo. Um rio homem, um homem rio, um mundo imaginário dentro de um mundo real. E para se dar como insolucionável a pintura da jarra de porcelana, bastou que o homem pintura, tão real, tão rio, tão pouco pintura, ganhasse movimento, como se fosse homem sonho também. Não me espantei quando o homem se ergueu - mais me deliciei com a forma e poesia dos seus movimentos.

Então o homem mergulhou nas águas do rio, e o rio que era homem e o homem que era rio fundiram-se num só. A água do rio brotou da jarra e realizou-se no meu mundo, um mundo que, afinal, me parecia tão verdadeiro que tomei aquela água por água também ela verdadeira. A água do rio brotou da jarra e escorreu até formar o leito de um rio muito homem muito rio, que banhou e banha e banhará o meu mundo tão verdadeiro até ao dia em que o tempo não se lembre mais em que dia está.