Um croissant e um galão
A opinião dos ortopedistas é consensual. Esta é uma má posição para estar sentado. Devíamos permanecer com as costas bem rectas. Não há problema, é só no Natal; se, na nossa sociedade isso desculpa o desvario consumista e a gula próprias da época, não vejo porque não há-de justificar a posição com que ocupo uma das cadeiras da esplanada. Na época natalícia a posição de observador, mesmo com uma postura incorrecta da coluna, e ainda para mais acompanhada de um galão e de um croissant é privilegiada. Tenho ouvido dizer que em tempos outros ninguém parava para observar porque poucos podiam parar e os que tinham esse direito muitas vezes se excusavam a olhar. Hoje em dia, porém, o problema é diverso: são muitos os que param, são muitos os que observam, não tantos os que param e observam e ainda menos os que param e observam o que não está detrás de uma montra ou não vem num catálogo.
Não pretendo aqui monologar sobre o espírito de Natal ou acerca da obsessão consumista do nosso mundo globalizado. Estou certo de que já houve quem o tenha feito, com mais "engenho e saber" que eu. Nem tão pouco pretendo zombar dos grandes autores que sobre esses assuntos divagaram. Não me interessa sequer pretextar este texto que começou, aliás, por um acaso, um croissant e um galão.
Não quero abdicar das vantagens de ser observador cometendo apreciações parciais, mas inevitavelmente terminarei por o fazer, pelo que peço desculpa. Das lojas, vejo, entram e saem pessoas enterradas em sacos cheios de Natal. Por vezes apreciam o peso da carteira que não sentem decrescer - viva os cartões de crédito. Prosseguem. Entre outras coisas verificam se o Natal tem o tamanho certo para vestir, ou se não passou do prazo de validade. Desenganem-se os que, puros de alma - ingénuos, se preterirmos de eufemismos - acreditam que Natal é amor, paz, esperança. Natal é presentes. As pessoas é que podem ter amor, paz, esperança - ou não. É uma questão de escolha. É como diz a senhora que se debruça com olhar de dúvida sobre a montra em frente:
– Levo a branca ou a vermelha?
Desde que, por ocasião do nascimento de Cristo, os Reis Magos descobriram na oferta de presentes uma gratificação, um sinal, mais que um suborno, que esta ideia de Natal se tornou legítima. Porque se Cristo é amor, paz, esperança, é Cristo que o é, não o Natal. Porque não é às datas que pertencem os sentimentos, mas aos Homens. Sim, se o Homem tanta vez se autocognominou de racional, que por uma vez faça valer tal apelido. Séculos depois chegou São Nicolau, figura lendária, cheio de verdades perdidas no nevoeiro do tempo. Diz-se que este santo distribuia presentes pelas crianças, e sorria adivinhando sorrisos nas suas caras miúdas. As pessoas começaram então a perceber que o Natal, em si, se resume a presentes. E como todas os dão, todas recebem – todas sorriem.
Porque as pessoas sentem sempre necessidade das suas invenções, deleitaram-se inventando a imagem de um velho gorducho, de cachimbo, para explicar os presentes que misteriosamente apareciam às crianças como um milagre, esse sim, de amor, paz e esperança: estavam lá presentes. Hoje, inundados pelos anúncios televisivos, mais depressa sentimos a necessidade de sermos criteriosos na nossa escolha, mas enquanto criança pura, um presente é sempre um presente. O Pai Natal teve direito a inúmeros consultores da imagem, o que demonstra que ele é um produto de uma sociedade crescentemente globalizada. Um artista contratado pela Coca-Cola, num Inverno dos anos 30, decidiu emprestar-lhe a sua própria cara. Talvez inspirado por uma imagem de uma revista datada de 1866, que mostrava um Pai Natal semelhante ao que hoje conhecemos, ou simplesmente para espalhar as cores da Coca-Cola pelo mundo, esse mesmo artista pintou de vermelho e branco o velhinho de barbas. No Natal de 1939, o Pai Natal recebe de presente um auxiliar: a rena Rudolph, foi criada para ser oferecida sob a forma de letras aos clientes da Montgomery Ward, uma loja americana.
E eis que, de geração em geração, adornando as palavras com outras palavras, a celebração do nascimento de Jesus se traduz nos tempos como um acontecimento comercial singular, em que todos dão e todos recebem presentes. Eis como tudo flui no sentido de tornar as renas, os duendes, os pais natais e as mães natais em estrelas de anúncios televisivos, levando-nos a esta imparável busca de presentes. Dou assim por terminado o croissant. Se me dão licença, tenho de ir comprar os presentes.
Não pretendo aqui monologar sobre o espírito de Natal ou acerca da obsessão consumista do nosso mundo globalizado. Estou certo de que já houve quem o tenha feito, com mais "engenho e saber" que eu. Nem tão pouco pretendo zombar dos grandes autores que sobre esses assuntos divagaram. Não me interessa sequer pretextar este texto que começou, aliás, por um acaso, um croissant e um galão.
Não quero abdicar das vantagens de ser observador cometendo apreciações parciais, mas inevitavelmente terminarei por o fazer, pelo que peço desculpa. Das lojas, vejo, entram e saem pessoas enterradas em sacos cheios de Natal. Por vezes apreciam o peso da carteira que não sentem decrescer - viva os cartões de crédito. Prosseguem. Entre outras coisas verificam se o Natal tem o tamanho certo para vestir, ou se não passou do prazo de validade. Desenganem-se os que, puros de alma - ingénuos, se preterirmos de eufemismos - acreditam que Natal é amor, paz, esperança. Natal é presentes. As pessoas é que podem ter amor, paz, esperança - ou não. É uma questão de escolha. É como diz a senhora que se debruça com olhar de dúvida sobre a montra em frente:
– Levo a branca ou a vermelha?
Desde que, por ocasião do nascimento de Cristo, os Reis Magos descobriram na oferta de presentes uma gratificação, um sinal, mais que um suborno, que esta ideia de Natal se tornou legítima. Porque se Cristo é amor, paz, esperança, é Cristo que o é, não o Natal. Porque não é às datas que pertencem os sentimentos, mas aos Homens. Sim, se o Homem tanta vez se autocognominou de racional, que por uma vez faça valer tal apelido. Séculos depois chegou São Nicolau, figura lendária, cheio de verdades perdidas no nevoeiro do tempo. Diz-se que este santo distribuia presentes pelas crianças, e sorria adivinhando sorrisos nas suas caras miúdas. As pessoas começaram então a perceber que o Natal, em si, se resume a presentes. E como todas os dão, todas recebem – todas sorriem.
Porque as pessoas sentem sempre necessidade das suas invenções, deleitaram-se inventando a imagem de um velho gorducho, de cachimbo, para explicar os presentes que misteriosamente apareciam às crianças como um milagre, esse sim, de amor, paz e esperança: estavam lá presentes. Hoje, inundados pelos anúncios televisivos, mais depressa sentimos a necessidade de sermos criteriosos na nossa escolha, mas enquanto criança pura, um presente é sempre um presente. O Pai Natal teve direito a inúmeros consultores da imagem, o que demonstra que ele é um produto de uma sociedade crescentemente globalizada. Um artista contratado pela Coca-Cola, num Inverno dos anos 30, decidiu emprestar-lhe a sua própria cara. Talvez inspirado por uma imagem de uma revista datada de 1866, que mostrava um Pai Natal semelhante ao que hoje conhecemos, ou simplesmente para espalhar as cores da Coca-Cola pelo mundo, esse mesmo artista pintou de vermelho e branco o velhinho de barbas. No Natal de 1939, o Pai Natal recebe de presente um auxiliar: a rena Rudolph, foi criada para ser oferecida sob a forma de letras aos clientes da Montgomery Ward, uma loja americana.
E eis que, de geração em geração, adornando as palavras com outras palavras, a celebração do nascimento de Jesus se traduz nos tempos como um acontecimento comercial singular, em que todos dão e todos recebem presentes. Eis como tudo flui no sentido de tornar as renas, os duendes, os pais natais e as mães natais em estrelas de anúncios televisivos, levando-nos a esta imparável busca de presentes. Dou assim por terminado o croissant. Se me dão licença, tenho de ir comprar os presentes.
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