A discussão
Na janela vejo as silhuetas ganharem vida, a contra-luz. Vejo os seus gestos irados, em poses acusatórias ou de exagero. A raiva transcende-se. O seu aroma inconfundível espalha-se pelo ar, nós respira-mo-lo, revolta-nos também. A estrada está ainda húmida. Inevitavelmente uma das silhuetas desaparece. Nenhuma se apercebe de que espio os seus movimentos e os registo ciosamente, como movido pelo interesse de desvendar o homem.
Eu sei que, algures noutra sala, a silhueta está sentada, num qualquer sofá, e vai parecer muito sozinha, assim, no canto. A luz é demais, por isso ele apaga-a e a sua sombra de silhueta confunde-se com as sombras da sala e confunde-se também com o silêncio
(um silêncio incómodo, cheio de múrmurios de perguntas sem resposta, cheio de frases perdidas, de verdaades discutíveis mas tão necessárias)
que se esgota na noite lá fora, cá fora, onde eu observo. A silhueta dobra-se sobre si mesma, convencida da sua razão. Mas, da janela que eu vejo, outra silhueta dobra-se também sobre ela mesma, tão ou mais segura de possuir a verdade. É um paradoxo, e ambas as silhuetas sabem que só uma delas pode ter razão.
A noite arrefeceu.
No seu quarto, envolta em sombras e silêncio, a silhueta quer explodir. A raiva subverte os olhos que temos postos no mundo. Nessas alturas vemos o mundo de forma diferente, vê-mo-lo inconsequente, sem resultado, impossível, sem refúgio. Não vale a pena tentar escapar.
(estou a ver a silhueta, levantando-se da cadeira, saindo do quarto, batendo com a porta, saindo de casa, batendo com a parta, puxar de um cigarro, entra na noite fria, a porta fecha-se lentamente, acende o cigarro)
A silhueta está na noite, nesta noite, aqui fora. Está a tentar fugir. Mas não vale a pena. Por mais que siga por ruelas escondidas lá está a raiva, esperando-o ao virar da esquina; por mais que procure caminhos obscuros, lá está a culpa, sua sombra; por mais que desespere em becos sem saída, lá está a ira, muito evasiva nas justificações, indo ao seu encontro. O cigarro perde a sua chama e a silhueta permanece fechada em si própria. Acende outro cigarro.
(à janela agora, a silhueta, aquela a contra luz, já tem o jornal fechado sobre a mesinha de centro, e dorme agora um pesadelo, com a cabeça encostada no sofá)
Os cigarros sucedem-se, as horas sucedem-se, a sonolência dos sentidos turva já os pensamentos e a sua fuga permanece infrutífera. Sempre no mesmo silêncio, sempre a noite, cada vez mais gelada. Na próxima esquina, a casa.
(apaga o cigarro, sai da noite fria, a porta fecha-se lentamente, entra em casa, batendo com a porta, entra no quarto, acende a luz, deita-se na cama, estou a ver a silhueta, apaga a luz)
A silhueta pensa, absorta novamente no escuro e no silêncio. Está segura de si. Decide esperar. Na sala e no quarto, esperam, um pelo outro. É, talvez o mundo seja mesmo absurdo. Esperam um pelo outro mas nenhum deles poderá entregar-se, senão os dois ao mesmo tempo, porque o outro verá nisso uma fraqueza. Demais a mais a silhueta que, à janela, a contra luz, dormita sobre as preocupações, jamais fraquejará. E por isso esperam os dois. A luz do quarto apaga-se, acende-se, apaga-se outra vez; eu vejo a luz da janela, apagar-se, acender-se, apagar-se novamente. E assim se remexem as luzes na sua cadência própria, e assim remoem as silhuetas o seu rancor.
1 palavras urbanas:
é, o mundo é mesmo um absurdo...
mas isso não acontece só com as silhuetas...
e, quase normalmente, não esperam. uma das silhuetas já é mais moderna.
com gestos frios, ríspidos, secos, carregados de uma imensa fúria e raiva, agridem gravemente o par, outrora amado, e logo se arrependem do que fizeram, mas não o admitem, nem voltam atrás ( até porque não podem), porque isso seriam outro acto de fraqueza.
Fraqueza, pode lá ser?!
A silhueta, arrogante e acomodado no seu bem estar, fraqueja, alguma vez?!
Ela acha que não, mas eu também a espio. E sei que ela, por dentro, até pode fraquejar e sofrer milhões de vezes, mas nunca o irá admitir, ainda por cima perante seu par...
kk koixa!
mx pk ék tem d xer axim?!
keep going...
anonymous
Por: Anónimo, Ã s 9:27 da tarde
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