sexta-feira, janeiro 7

Um lápis azul não pinta a cor vermelha

Chama-se o réu a testemunhar;
Declara-se culpado dos crimes
Que lhe são imputados?

Um silêncio pesado deformava a cara do advogado de defesa, pesado na sua silhueta bojuda. O advogado de acusação ajeitava a gravata, preparando as perguntas, com um sorriso confiante,

arrogante;

o cabelo que lhe sobrava ajeitava-se na forma de uma coroa de louros.As mãos, ocultas atrás das costas, remoiam-se em gestos nervosos que eram muito seus nestas ocasiões. A primeira pergunta começou num tom rouco, grave e baixo, que depressa se tornou alto, potente e aterrador.

É verdade que defende,
É verdade que apregoa,
É verdade que crê tem fé na...

Nesta altura o advogado estremeceu, vacilou. À sua face parecia ter deixado de chegar o ar. Virou a cabeça para o excelentíssimo senhor juiz, e, sem uma palavra, utilizando apenas os olhos arregalados, pediu-lhe autorização para dizer o que se anunciava,

liberdade?

O réu, impenetrável, respondeu
Vossa Excelência vai-me desculpar, mas não percebi bem,
e a face do advogado fechou-se numa rubra expressão irada e repetiu num,

É verdade que defende
A liberdade?

O réu fez-se ouvir:

É o que eu sou
E o que você não tem.

O sorriso do advogado domou toda a sua face num gesto arrogante, e declarou que por si tudo tinha terminado naquela pergunta. Lançou ao excelentíssimo senhor juiz um olhar cúmplice, mas o magistrado mantia-se impávido. Então o juiz setenciou,

Declaro o réu culpado;
Condeno-o à forca!

E então naquele dia o poema foi levado para ser enforcado. Subiu ao cadafalso sem medos e deixou que no segundo fatídico a corda se lhe apertasse sobre os versos e o esganasse. Seria declarado morto, mas do silêncio brutal brotaram palavras de poema que clamavam

Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!

E os guardas atónitos, esgazeados, deixaram em todo o estabelecimento prisional ecoarem aquelas palavras e versos, soltos, livres. Tentavam agarrar os prisioneiros fugidios estendendo as mãos como garras, mas nelas não sobrava mais que ar.

No céu, de um azul lacinante, voava um pássaro muito branco, com as asas muito abertas, viajando num jeito harmonioso e fluído. E num repente desceu, quase a pique e fingiu cair ferida na terra castanha do jardim para que alguma criança desprevenida o levasse e tratasse.

4 palavras urbanas:

  • Parabéns pelo bom trabalho.
    Alguns dos teus (seus?) textos têm o dom de nos deixar a pensar e este é talvez um dos elogios que qualquer pessoa que dedica algum do seu tempo à escrita espera receber.
    Continua a dar ouvidos à tua alma e a dar vida ao teu Conversas Urbanas, ficarei visita. Podes contar com um link na Galinha Estéril.

    João Miranda

    Por: Blogger Blogger, às 10:38 da tarde  

  • Pois é, tens aqui um blog muito interessante, só tenho pena que esta minha visita peque pela demora, como o João Miranda disse este blog merece um Link de destaque no nosso blog. Ganhaste aqui um leitor atento das tuas "obras" por assim dizer.
    Fica bem.

    António Simas

    Por: Anonymous Anónimo, às 11:17 da tarde  

  • Continuas a surpeender-me. Gostei muito desta LIBERDADE.
    Mas corrige o erro que está no texto e que neste momento não te sei dizer qual é.

    Por: Anonymous Anónimo, às 4:15 da tarde  

  • não. definitivamente, não. tens razão. um lápis azul não pinta a cor vermelha. se calhar porque a cidade não existe se não estiveres a olhar para ela.
    mas o pássaro foi tratado. mas ficou danificado. foi tratado por uma criança que já cresceu. já fazia falta, desde o dia em que o pássaro caiu, um ser assim. e ele era já adolescente, um tal... webdreamer, é isso. foi tratado com todo o cuidado e assiduidade. cuidadosamente acompanhado na sua evolução, porque ficou gravemente ferido. trenamente embalado na sua cama quente e aconchegadora. ficou danificado porque havia entidades exteriores que não queriam que fosse tratado, levado. mas ficou bem onde está., por agora. porque, sim, espera o dia em que todas essas entidades e mais outras o compreendam e o apoiem, porque ainda não o deixam sair em liberdade.
    liberdade. que palavra tão estranha, tão frágil. mas afinal é como a vida...
    bem, eu apoio esse apoio, essa evolução. podes contar com a minha ajuda para tratar do pássaro, se algum dia precisares... mas nota-se que, pelo menos por enquanto, é óbvio que não precisas.

    beijinhos,
    anonymous

    Por: Anonymous Anónimo, às 10:35 da tarde  

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