segunda-feira, dezembro 27

Despedida

Uma brisa fresca corria, suavemente, como uma música de embalar. Nem corria, voava, como palavras de um poema. O sol não se compadecia do corpo que, recortado na sombra, esperava o momento da despedida, como se mais que corpo não fosse. O sol não se compadecia e subia e subia. O corpo aquecia-se com uma caneca de leite quente, sentado no último degrau da escada, contemplando o céu como se fosse a última vez que o via. Depois uma mão amiga num ombro, mas uma mão amiga triste, uma mão amiga no dia de despedida.
– É hoje, não é?
Como se não o soubesse suficientemente bem,
– Não podes ficar nem mais um dia?
O corpo virou-se, a boca muda, os olhos falando na sua vez. Não eram precisas palavras. Sim, era hoje. Sim, podia ser para sempre. O corpo e a mão amiga concentraram-se no piar dos pássaros. Parecia tão triste naquela manhã!


Este era o dia em que as palavras perdiam expressão, voando para longe, como corvos muito negros, recortados contra o claro azul do céu. Este era o dia em que as palavras se reduziam a silêncio e significado.

A mão amiga voltou, segurando uma segunda caneca de leite fumegante. Bebiam aquele leite juntos, como se fosse por uma só caneca. Podia bem ser a última vez. Já se tinham despedido antes, mas nunca numa manhã como aquela, nunca por motivo semelhante.

Quando nas canecas não sobrou mais leite, quando o som das palavras deixou de ressoar nas paredes brancas da casa e quando cessou o piar dos pássaros, o corpo ergueu-se e a mão deixou cair-se, num gesto moroso e pesado. Era aquele o momento da despedida. Pode não ser a última, segredavam um ao outro em silêncios prolongados. Pode até não ser a última, talvez para se convencerem de que podia, realmente, não ser a última das despedidas.

A mão ergueu-se num acenar melancólico, enquanto o corpo ao longe ia encolhendo cada vez mais, até que se esmoreceu completamente na paisagem de serras e vales e céu e Inverno. O corpo andava como se não soubesse para onde ia, mas era precisamente o conhecimento do destino que o atormentava. Olhou para trás, desejando toda a serenidade da aldeia que desaparecia, procurando o conforto da mão amiga acenando. Perdeu finalmente a serenidade e o conforto. Pode ser que não seja a última despedida. Pode ser que não seja a última,
Despedida.

1 palavras urbanas:

  • Faço votos que isto seja só sinal de paixões incompreendidas!E se é isso, não faz mal porque é um mal necessário para a gente depois se curar!

    Por: Anonymous Anónimo, às 3:33 da tarde  

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