sexta-feira, fevereiro 4

O voto nulo

Entrou na escola de cabeça baixa, entregado a pensamentos dúbios. Já não se lembrava de a escola alguma vez ter servido outro propósito que não o cumprimento do dever cívico. Depois ergueu a cabeça e olhou a parede em frente, de um cor-de-rosa esmorecido. A escola parecia-lhe sempre um lugar desolado, talvez porque sem os miúdos. Talvez faltem ali as camisolas coloridas e alegres, um jogo de bola, uma corrida, talvez. Sorriu, e olhou o chão alcatroado novamente. Imaginou a escola repleta de crianças, ali e agora, naquela tarde de eleições.

O rosto cerrou-se quando entrou na sala, e se apresentou na mesa de voto; e depois, quando se aproximou da urna. Ao lado esquerdo, ao lado direito, em frente, todos os lados eram-lhe vedados. Com o boletim de voto em frente, vazio, esperando a fricção da caneta com o papel, sentiu um vazio, um aperto, como se, de súbito, se descobrisse distante daquele jogo de silêncio e ruído, que culminava, finalmente, ali, naquele acto. Lá fora o arco-íris, imaginava, um céu de fogo, nuvens de formas dúbias, rapazes correndo, raparigas brincando, um espectáculo multicolor, personagens de histórias de encantar de visita à escola, agora arranjada e bonita, nos canteiros florindo flores vistosas que emanam cheiros deliciosos, no jardim um banco, um recanto apetecível, nas janelas desenhos. E desenhou isso naquele papel diminuto, com as siglas alinhadas numa coluna, os respectivos quadradinhos diante, munindo-se para a tarefa de não mais do que aquela esferográfica negra. Que desplante, chamar-lhe voto nulo!... O que é nulo afinal?

Resoluto, colocou a sua obra na urna, escura e democrática, na sua pose metálica, encerrando os augúrios dos votantes, e, agora, também os sonhos de menino. Naquela noite ainda, sob o luar radiante, mãos atarefadas, contando os votos, mãos exaustas, encararam com desprezo este boletim, nem reparam – um arco-íris, o capuchinho vermelho, desenhos nas janelas – nem reparam na singela e ingénua beleza do desenho, e ele perde-se numa pilha de outros papéis. Valor estatístico: nulo.

2 palavras urbanas:

  • o valor estatístico...
    não serve para nada...
    também pode servir para tudo...
    tanto pode não servir para avaliar a obra que é a imaginação do bom, e da felicidade, como pode servir para dizermos, embora anonimamente, em quem mais confiamos para tomar conta de nós, para ser os nossos grandes, aqueles que fazem a diferença de dia para dia, no nosso dia-a-dia.

    kk koixa!!!
    pk ek tem d xer axim?

    anonymous

    Por: Anonymous Anónimo, às 9:09 da tarde  

  • Obrigado por votar na gente...o seu blog esta no
    nosso os melhores blogs da semana!! Volte sempre!!
    www.descompliquem.cjb.net

    Por: Anonymous Anónimo, às 11:04 da tarde  

Enviar um comentário

<< Página principal