Tinha cabelo curto e negro como os olhos, como a noite, e uma fé inabalável em Deus. Às vezes podía-se vê-la pela janela de uma casa de madeira, o seu cabelo ao vento, enquanto ela se sentava em frente ao lago, as pernas encolhidas, os joelhos de encontro ao queixo, os olhos profundos fitos na água. Não estava ali no dia em que o pai morreu, quando as suas primeiras rugas se desenhavam sob a franja curta e os seus olhos estavam vermelhos e húmidos das lágrimas e a garganta rouca, mas no dia seguinte sim, com uma expressão melancólica e a cabeca baixa e os seus dedos rocando ao de leve a água fresca do lago. E então num murmúrio baixo, rezou e agradeceu a Deus tomar o seu pai a Seu lado e depois olhou novamente o céu e depois a água e depois o nada. As pessoas são díficeis de entender. Nunca se via ninguém naquele lago a não ser ela, nem sei mesmo se existia alguém a viver na casa de madeira que a pudesse ver pela janela e provavelmente era por isso que a encontrávamos ali. Mas um dia apareceu um homem também, que vagueava à deriva por carreiros de terra batida e sentou-se ao pé dela à beira do lago; e depois continuou vagueando e ambos permaneceram em silêncio. Ela voltou no dia seguinte, ele não. Mas ele voltou a aparecer. Sentou-se ao pé dela, depois agarrou o seu pulso, cerrou a mão e quebrou-lhe o nariz, depois percorreu o seu corpo com as mãos, depois olhou-a nos olhos, depois sentou-se novamente, sem nunca largar os pulsos dela e depois perguntou-lhe, - Porque é que acreditas em Deus? - Porque as pessoas são díficeis de entender.
As palavras são frágeis. Um dia acordamos, olhamos o tecto, olhamos a janela, e todas as boas palavras que sabíamos perderam o seu significado, foram gastas pelo uso, quebradas pela marcha de uma civilização toda ela eregida à custa de palavras gastas. As palavras são também fúteis sem as pessoas. E os olhares, os sons, o silêncio até, o ar, o que diz e o que ouve ou lê ou sente, constroem de novo palavras com significado