segunda-feira, outubro 31

Pensamento

Se há fim no Universo não é ali.

quinta-feira, outubro 13

Coisas Simples 1

Muitas figuras públicas dizem que gostam de coisas simples. As coisas simples são coisas fúteis. Eu não gosto de coisas fúteis, eu não gosto de coisas simples. Muita gente gosta de coisas complicadas, mas não o sabem dizer. Não existem palavras simples de dizer: as palavras complicadas referem-se a coisas simples, e as palavras simples a coisas complicadas. Eu gosto de coisas complicadas, da chuva a bater na janela, de árvores nuas, nos meses de Inverno, da silhueta tosca dos bancos de madeira.
Estou a comer uma macã numa manhã de Novembro. Comer macãs em manhãs de Novembro é uma coisa complicada. Eu gosto de coisas complicadas. Olho pela janela. A rua acaba por se dissolver no nevoeiro. Dúvido que exista alguma coisa para lá desta rua. Não é uma rua comprida, nem larga, mas é a maior rua que se pode ver da minha janela.
Por trás de cada uma das janelas de cada um dos prédios da minha rua existe uma história. Todas as histórias são complicadas, porque nenhuma história é só uma história. Uma história a passear na rua encontra-se com muitas outras histórias, para, dá dois dedos de conversa. E as histórias multiplicam-se, cruzam-se, aprendem, desenvolvem, morrem mas não se desvanecem na memória perpétua do leitor. Por trás de cada uma das janelas de cada um dos prédios da minha rua existe uma pessoa. Existem muitas pessoas na minha rua. Mas nenhuma dessas pessoas está ao meu lado. Nenhuma sentada sobre aquele pequeno banco vacilante. É por isso que, por mais longe que estenda o meu braco não toco nenhuma mão humana. Toco apenas o ar, ínsipido na sua insignifiância.
O ar é tão nada que é díficil imaginá-lo como alguma coisa. É tão ínvisivel, tão frio, tão repleto de segredos indesvendáveis. É como se não existisse. As coisas que não existem oprimem-me, sufocam-me. Eu amo todas as coisas que não existem. Sinto os dentes cravarem-se na macã. Sinto a polpa rígida esmorecer em sumo. Depois arremeco o que sobra da macã para o caixote. Sinto tudo de forma tão real que chego a imaginar que nada do que sinto existe.
uma faca sobre a mesa da cozinha. O cabo é negro e simples. A lâmina, longa e afiada, de aco inoxidável, espelha a minha cara. Olho-me nos olhos. Os meus olhos são castanhos. Já me tinha esquecido da cor dos meus olhos. A cor dos meus olhos é apenas uma coisa que eu vejo na lâmina de uma faca, não é importante. A cor dos meus olhos é aquilo que me define. Aquilo que me define não é importante. Nunca ninguém se interessou pela cor dos meus olhos.
Antigamente eu costumava pensar nas coisas que existem como as únicas reais. Agora já não me interessa saber se as coisas que não existem são reais ou não. São as que eu amo. Nunca amei as coisas reais. As coisas que não existem têm mais existência que as coisas que existem, porque eu as amo.Se eu inclinar um pouco a lâmina, a minha face desaparece. A lâmina enche-se do branco do tecto e da parede. O branco não é uma coisa simples. Fecho os meus olhos. O negro não é uma coisa simples. Há quem diga que o negro não existe, porque é o que resta quando todos os olhos se fecham, quando todas as luzes se apagam, quando a cor se ausenta. Há quem diga que o negro não exist e é por isso que acredito no negro.