Coisas Simples 6
Primeiro foi o nada. Depois o alguma coisa. O Universo nasceu e cresceu e fez-se grande. Por razões desconhecidas grandes blocos sólidos, com atmosferas gasosas começaram a gravitar de blocos ainda maiores em órbitras excêntricas. Sem que ninguém saiba porquê, num desses blocos criou-se a água. E depois vieram os primeiros seres vivos. E os segundos. Sem que ninguém saiba quando, apareceram uns seres vivos que decidiram chamar excêntricas às órbitas dos blocos. E planetas aos blocos e às atmosferas respectivas. Esses seres vivos não são coisas simples.
Primeiro foi o negro. Depois abri os olhos e era tudo branco outra vez. Olhei os meus olhos reflectidos na lâmina da faca. O metal de uma lâmina é frio e insensível e corta. Mas quando eu olho o metal eu vejo os meus olhos nele. O metal é humano e existe. O metal não é uma coisa simples.
Eu gosto das coisas que não são simples. Talvez só as coisas que não são simples existam verdadeiramente. E então talvez eu ame mais as coisas que existem sobre as que não existem. Mas os nossos sonhos. Os nossos sonhos não são simples. E quando acordamos eles desaparecem e são mais nada que o ar. E o ar já é tão nada que é díficil imaginá-lo como alguma coisa. É até díficil sonhá-lo. Mas a existência é uma coisa complicada. Agora eu não quero pensar mais acerca da existência.
Eu levanto-me e caminho até à sala. Havia uma faca sobre a mesa da cozinha. Agora fecho o meu punho sobre o seu cabo negro. O negro também é uma cor. As cores são ilusões de óptica. Não são coisas simples.
Há um piano na sala. Há um longo piano de cauda na sala. Eu não sei tocar piano. Os meus dedos pesam sobre as teclas do piano. As teclas são mais pesadas do que parecem. A pressão nas teclas fez soar um acorde sem harmonia nem doçura. Porque eu não sei tocar piano. Mas há um piano na sala.
Eu não o sei tocar e ele é meu. E eu vivo aqui. Eu vivo nesta sala onde existe um piano. O que me leva a pensar se eu realmente vivo aqui e se aquele piano é realmente meu. Porque eu não compreendo aquele piano. E se algo pode ser de alguém, então só pode ser de alguém que compreende esse algo.
Comprei o piano numa tarde de Novembro como esta. Não sei, nem nunca soube, se o piano era um bom piano. Foi caro. Estava a poupar para comprar um automóvel. Naquela tarde chovia e eu olhei para a rua ladeada de prédios. Havia placas nomeando churrascarias, oculistas, ourivesarias, clubes de vídeo. Pessoas que subiam e desciam a rua. Um semáforo e uma passadeira. Um contentor do lixo que era verde e de metal. E então eu decidi que devia comprar um piano. Dos de cauda. Dos dos filmes e dos concertos de orquestra. E dos dos sonhos que deixam de existir quando acordamos. O piano foi caro. Mas isso não é importante. O automóvel também era caro e também não era necessário. Se eu ia gastar o meu dinheiro, podia gastá-lo num piano.
Às vezes penso que gostava de tocar piano. Eu não conheço ninguém que toque piano. Eu gostava de conhecer alguém que tocasse piano. E então pedíria, Toca piano para mim. Às vezes penso que gostava de ouvir tocar piano. Ou então diria, Ensina-me a tocar piano. E então tocaríamos piano a quatro mãos. Ou, quando estivesse sozinho, podia tocar piano para mim mesmo e imaginar que éramos mais que duas mãos.
Penso A casa é grande e vazia. Mas a casa tem um piano. E o som preenche os espaços vazios. Mas ninguém sabe tocar piano e a casa é grande e vazia. Às vezes gosto de me deitar no chão e sonhar com alguém que sabe tocar piano ou com o som do piano ou com o nada. Mas não gosto de acordar e ver o sonho desvanecer-se e saber que nada existiu.
Quando imagino fecho os olhos. Foi do nada que se criou o tudo. Ou o que agora é tudo e amanhã só alguma coisa. Isso não é importante. O que é importante é a evolução do nada nas coisas que vemos e tocamos e sonhamos. E eu todos os dias acordo e espero que não seja um sonho. Mas é sempre um sonho. Um dia eu comprei um piano. Mas acordo todos os dias e nunca há nada no mundo real à minha espera. Amanhã não quero acordar e descobrir que não há no dia nada do que eu sonhei à noite.
Primeiro foi o negro. Depois abri os olhos e era tudo branco outra vez. Olhei os meus olhos reflectidos na lâmina da faca. O metal de uma lâmina é frio e insensível e corta. Mas quando eu olho o metal eu vejo os meus olhos nele. O metal é humano e existe. O metal não é uma coisa simples.
Eu gosto das coisas que não são simples. Talvez só as coisas que não são simples existam verdadeiramente. E então talvez eu ame mais as coisas que existem sobre as que não existem. Mas os nossos sonhos. Os nossos sonhos não são simples. E quando acordamos eles desaparecem e são mais nada que o ar. E o ar já é tão nada que é díficil imaginá-lo como alguma coisa. É até díficil sonhá-lo. Mas a existência é uma coisa complicada. Agora eu não quero pensar mais acerca da existência.
Eu levanto-me e caminho até à sala. Havia uma faca sobre a mesa da cozinha. Agora fecho o meu punho sobre o seu cabo negro. O negro também é uma cor. As cores são ilusões de óptica. Não são coisas simples.
Há um piano na sala. Há um longo piano de cauda na sala. Eu não sei tocar piano. Os meus dedos pesam sobre as teclas do piano. As teclas são mais pesadas do que parecem. A pressão nas teclas fez soar um acorde sem harmonia nem doçura. Porque eu não sei tocar piano. Mas há um piano na sala.
Eu não o sei tocar e ele é meu. E eu vivo aqui. Eu vivo nesta sala onde existe um piano. O que me leva a pensar se eu realmente vivo aqui e se aquele piano é realmente meu. Porque eu não compreendo aquele piano. E se algo pode ser de alguém, então só pode ser de alguém que compreende esse algo.
Comprei o piano numa tarde de Novembro como esta. Não sei, nem nunca soube, se o piano era um bom piano. Foi caro. Estava a poupar para comprar um automóvel. Naquela tarde chovia e eu olhei para a rua ladeada de prédios. Havia placas nomeando churrascarias, oculistas, ourivesarias, clubes de vídeo. Pessoas que subiam e desciam a rua. Um semáforo e uma passadeira. Um contentor do lixo que era verde e de metal. E então eu decidi que devia comprar um piano. Dos de cauda. Dos dos filmes e dos concertos de orquestra. E dos dos sonhos que deixam de existir quando acordamos. O piano foi caro. Mas isso não é importante. O automóvel também era caro e também não era necessário. Se eu ia gastar o meu dinheiro, podia gastá-lo num piano.
Às vezes penso que gostava de tocar piano. Eu não conheço ninguém que toque piano. Eu gostava de conhecer alguém que tocasse piano. E então pedíria, Toca piano para mim. Às vezes penso que gostava de ouvir tocar piano. Ou então diria, Ensina-me a tocar piano. E então tocaríamos piano a quatro mãos. Ou, quando estivesse sozinho, podia tocar piano para mim mesmo e imaginar que éramos mais que duas mãos.
Penso A casa é grande e vazia. Mas a casa tem um piano. E o som preenche os espaços vazios. Mas ninguém sabe tocar piano e a casa é grande e vazia. Às vezes gosto de me deitar no chão e sonhar com alguém que sabe tocar piano ou com o som do piano ou com o nada. Mas não gosto de acordar e ver o sonho desvanecer-se e saber que nada existiu.
Quando imagino fecho os olhos. Foi do nada que se criou o tudo. Ou o que agora é tudo e amanhã só alguma coisa. Isso não é importante. O que é importante é a evolução do nada nas coisas que vemos e tocamos e sonhamos. E eu todos os dias acordo e espero que não seja um sonho. Mas é sempre um sonho. Um dia eu comprei um piano. Mas acordo todos os dias e nunca há nada no mundo real à minha espera. Amanhã não quero acordar e descobrir que não há no dia nada do que eu sonhei à noite.