o fim do príncipio
Existe um relógio quadrado na estação. Gosto muito mais dos relógios redondos. Era muito mais poético dizer que existe um relógio redondo na estação. Esqueçam lá a história do relógio quadrado, não havia na estação relógios quadrados. Era um relógio redondo e o ponteiro das horas apontava para as doze, o dos minutos estava quase sobre o cinco, e o dos segundos caminhava incessantemente e sem destino, tiquetaque, tiquetaque. Parece que o tempo dura uma eternidade.
Este homem que está aqui na estação tem um casaco preto, formal, uma gravata azul, uma camisa branca. Está aqui, parado, à espera que finalmente comece alguma coisa. Que chegue um comboio, com barulhos de motor, ruídos de locomoção. A bem dizer a história só devia começar quando o comboio cá chegasse. Está ali um personagem, pronto a entrar num comboio, sem destino que se adivinhe. E o comboio não chega, a história não começa. O homem está a perder a paciência, se não aparece nada guinchando sobre aqueles carris ali nos próximos tempos ele é bem capaz de ir a uma outra história qualquer.
Às vezes acontece uma destas cenas enfastiantes. Não me resta grande coisa a não ser falar de relógios redondos. O homem está a começar irritado. Pelo olhar ameaçador, em chegando o supracitado transporte, este texto é bem capaz de se tornar um policial. Não existe mais ninguém na estação e está um sol abrasador, o homem suando debaixo de casaco e camisa e gravata. Quem é que aqui o foi enfiar, envergando casaco e camisa e gravata. Se calhar era melhor usar apenas uma t-shirt, roupa casual.
Estou a começar a entrar em estado de desespero.
Começam a chegar mais pessoas à estação. Um casal de namorados, de mão dada, descendo as escadas para a plataforma sem pressas, olhando-se um ao outro, beijando-se um ou outro de poucos em poucos metros. Um jovem adulto, alto e esguio e pálido, ligeiramente curvado para a frente, com olhos negros, olhos que já não se descaem profundamente em sonos há pelo menos três dias. Uma família inteira, um rapaz de cinco anos com um boné ligeiramente descaído para o lado, uma rapariga de dez com um aparelho nos dentes e tédio na face, um pai e uma mãe de mãe idade, carregados de malas, uma castanha, outra azul, mais algumas mochilas, e ainda um canário amarelo dentro de uma gaiola dourada. Vá-se lá saber o que faz um casal de namorados, um jovem com olhos carregados de vigílias, uma família média e um canário na mesma história.
Há um comboio lá ao fundo. Eu sei porque já vi muitos comboios chegar. Esta é a trigésima sexta vez que começo uma história com homens que esperam por comboios em estações com relógios redondos. O que me leva a pensar que, em abono da originalidade, se calhar o relógio devia ser quadrado. Os últimos trinta e seis enredos perderam-se sem entrar no comboio. É sintomático e leva-me a pensar que talvez as conclusões não sejam tão simples assim. Mas os finais são certamente. Qualquer começo tem o seu final, quer seja ou não Casaram-se e viveram felizes para sempre.
O homem da história, aquele que pensava que os começos são sempre complicados, esse é que já não está aqui. De entre os que aqui estão à espera de comboios não existe nenhum que pense que os começos são complicados.
Esta é a explicação para que eu agora ande aqui a correr escada acima, a sair da estação e a entrar no centro comercial, procurando entre a multidão de comerciantes, consumidores e simples transeuntes, todos simples figurantes, diga-se de passagem, à procura de um homem que vista casaco preto, camisa branca e gravata azul. Vejo-o num restaurante fast food mexicano, com os seus olhos fixos nos olhos verdes de uma mulher em vestido vermelho dizendo, Por favor, vem comigo, não posso partir sem ti.