olhos nos olhos
Ela olhou-o nos olhos e ele baixou a cabeça. Beijaram-se. Se ela lhe tivesse dito alguma coisa era Não digas nada. Mas ela soube sempre que ele não iria dizer nada. O chão que ele via era como o céu nublado e os prédios sem cor. Era um chão de asfalto duro, de fragmentos de vidro, de balas, de lama feita de sangue e chuva.
No príncipio, quando o céu era claro e ele ainda conseguia olhá-la de frente, tudo era mais fácil. No príncipio todos os ideais são claros e límpidos; são simples e directos. No príncipio ele lutava por eles, pelos ideais. Naquela altura já só lutava por si próprio.
Antes de desaparecer entre dois pedaços de cimento ele ainda procurou a cara dela, mas nunca mais a encontrou. Ela tinha fugido na outra direcção, à procura desse lugar a que chamam Fim. Em tempos mais pacíficos tinham-lhe ensinado que nesse lugar se vivia feliz para sempre. Enquanto corria ela olhava em frente. Para além da selva urbana decadente que caía em derrocada havia a cara dele perpetuamente presa ao céu infinitamente cinzento: a pele pálida e as bochechas rosadas, intensas, os lábios pequenos e bem desenhados, os olhos castanho claros últimamente tão cheios de medo.
Ele era um rapaz ainda. Dúvido que tivesse dezoito anos. Eu deixei de contar as idades quando aprendi que as vidas terminam. Com a arma tremendo nas mãos, apontada ao indistinto horizonte inimigo, por entre o fogo e o fumo, enquanto do céu os aviões lançavam morte e destruição, caminhava ele desorganizadamente, tropeçando nos corpos perdidos no meio da rua. E foi então que nos encontrámos, o nosso espanto toldado pelo susto. Se eu me tivesse visto reflectido na sua púpila grande e assustada veria a imagem dele. Se alguém nos visse ali os dois, frente a frente, a vinte metros de distância, não nos distinguiria. Se não estivéssemos ali os dois a rua estaria deserta. Por um momento ficámos ambos parados, ele na minha mira eu na dele, à espera do som da bala e do fim. Tinha a respiração suspensa, convencida ela própria de que iria ficar assim para todo o sempre.
Pressionei o gatilho mas não me mexi até que o corpo dele caiu e se perdeu numa poça de sangue. Foi como se o meu próprio corpo se vergasse à lei da morte. Como se aquele sangue fosse o meu sangue.
No príncipio ainda haviam ideais. A primeira bala perdida é suficiente para os ferir mortalmente. Extinguem-se em agonia, dobram-se sobre os joelhos, gritam de dor e calam-se para sempre.
Corri para casa, onde quer que isso fosse. Cai fatigado ao pé de um lago e a mão de uma rapariga levantou-me a cabeça e os olhos dela olharam os meus como se sempre me tivessem olhado.
No príncipio, quando o céu era claro e ele ainda conseguia olhá-la de frente, tudo era mais fácil. No príncipio todos os ideais são claros e límpidos; são simples e directos. No príncipio ele lutava por eles, pelos ideais. Naquela altura já só lutava por si próprio.
Antes de desaparecer entre dois pedaços de cimento ele ainda procurou a cara dela, mas nunca mais a encontrou. Ela tinha fugido na outra direcção, à procura desse lugar a que chamam Fim. Em tempos mais pacíficos tinham-lhe ensinado que nesse lugar se vivia feliz para sempre. Enquanto corria ela olhava em frente. Para além da selva urbana decadente que caía em derrocada havia a cara dele perpetuamente presa ao céu infinitamente cinzento: a pele pálida e as bochechas rosadas, intensas, os lábios pequenos e bem desenhados, os olhos castanho claros últimamente tão cheios de medo.
Ele era um rapaz ainda. Dúvido que tivesse dezoito anos. Eu deixei de contar as idades quando aprendi que as vidas terminam. Com a arma tremendo nas mãos, apontada ao indistinto horizonte inimigo, por entre o fogo e o fumo, enquanto do céu os aviões lançavam morte e destruição, caminhava ele desorganizadamente, tropeçando nos corpos perdidos no meio da rua. E foi então que nos encontrámos, o nosso espanto toldado pelo susto. Se eu me tivesse visto reflectido na sua púpila grande e assustada veria a imagem dele. Se alguém nos visse ali os dois, frente a frente, a vinte metros de distância, não nos distinguiria. Se não estivéssemos ali os dois a rua estaria deserta. Por um momento ficámos ambos parados, ele na minha mira eu na dele, à espera do som da bala e do fim. Tinha a respiração suspensa, convencida ela própria de que iria ficar assim para todo o sempre.
Pressionei o gatilho mas não me mexi até que o corpo dele caiu e se perdeu numa poça de sangue. Foi como se o meu próprio corpo se vergasse à lei da morte. Como se aquele sangue fosse o meu sangue.
No príncipio ainda haviam ideais. A primeira bala perdida é suficiente para os ferir mortalmente. Extinguem-se em agonia, dobram-se sobre os joelhos, gritam de dor e calam-se para sempre.
Corri para casa, onde quer que isso fosse. Cai fatigado ao pé de um lago e a mão de uma rapariga levantou-me a cabeça e os olhos dela olharam os meus como se sempre me tivessem olhado.