Coisas Simples 5
Não se lembrava do nome. Não sabia porque estava ali. O tecto era branco. Um tecto branco é uma coisa que existe. Sabe bem saber que existe. Talvez não existisse. Mas aquele homem que agora olhava o tecto branco não era desses que questionavam a existência das coisas. Há algo de especial em saber que a realidade é real assim. Sem mais perguntas, sem impertinências. O tecto é branco, pensou, e sentiu-se real. O tecto era branco. Naquele instante era a única coisa que ele sabia.
O tecto é branco, pensou novamente. E depois concluiu que Os tectos brancos cansam. Fechou as pálpebras. O escuro. Temos os olhos fechados. Nós não vemos nada de olhos fechados. Mas o escuro que vemos de olhos fechados é tão real como o tecto branco. O zumbido de uma mosca. A mosca pousou sobre o parapeito. Ou sobre o braço de alguém. Depois ouviram-se passos no corredor. Eram passos distantes. Depois tornaram-se passos próximos. Alguém entrou na sala, percorreu o corredor. Disse qualquer coisa. Era um homem. Tinha voz grave, texturada.
Chamo-me Joaquim, pensou o homem, o que estava deitado e sabia que o tecto era branco. Veio como uma revelação. Sem que se saiba bem porquê. Em conveniente momento, diga-se. Assim podemos distinguir o homem de voz grave do outro que sabe que o tecto é branco. Ficamos é sem saber se esta conveniência é desígnio de algo que nos é superior ou se é simples coincidência. E esta designação, a de simples coincidência, é, em verdade um paradoxo, porque as coincidências não são simples.
Os passos voltaram a soar. Devia ser o homem da voz grave, que voltava a onde viera. Pausa. Depois novamente o som da sola dos sapatos sobre os ladrilhos do chão. Uma porta abriu-se e fechou-se. Não se ouviram mais passos.
Já sei muita coisa, congratulou-se Joaquim. E era verdade. Há poucos minutos atrás não sabia nada. Depois que o tecto era branco. Depois que há silêncios frios neste mundo. Depois que neste mundo sobram também as moscas. E que estas zumbem. E que ainda habita por aqui alguém que caminha. O que nos lembra que existem sapatos e pessoas que os calçam e solos em que se caminha. E ainda que esse alguém tem uma voz grave. Agora descobria Joaquim que se chamava Joaquim.
Tentou lembrar-se. Onde estou?, pensou. Onde quer que seja, este lugar existe. Tenho a certeza. Talvez nada exista. Mas isso não é relevante. Pelo menos para mim. Onde estou?
Não conseguia mexer os braços. Nem tão pouco rodar a cabeça no pescoço. O cansaço prendia-lhe os movimentos. E depois havia outros impedimentos físicos. Algo que ele não sabia o que era, porque não podia ver. Mas eu explico. Era um complicado sistema de longos tubos de plástico transparente e de fios que brotavam de braços. Os fios ligavam-se por sua vez a um monitor. E uma máscara de oxigénio cobria-lhe a boca.